Jornal Pires Rural - Há 13 anos revelando a agricultura familiar

terça-feira, 29 de outubro de 2013

A prática humana está na contramão do desenvolvimento rural sustentável

Mesa redonda "Tecnologia Social e Economia Verde –  convívios possíveis”


Para seu debate no fórum sobre "Tecnologia Social e os conceitos de Economia Verde: propondo convívios possíveis ...e desejáveis”, Mohamed Habib, engenheiro agrônomo ligado ao Instituto de Biologia da UNICAMP, trouxe uma realidade: a prática humana está na contramão do desenvolvimento rural sustentável.
Abordando a questão da agricultura empresarial que se instalou no Brasil para a produção em larga escala de grãos e cana-de-açúcar, o consumo exagerado de agrotóxicos e a produção de alimentos transgênicos para atender a indústria de agrocombustíveis, etanol e óleo de soja, afirmou que essa agricultura ocupa 60% da área privada no Brasil, mas está na mão de apenas 3% de proprietários e vem exercendo uma prática bastante agressora e impactante em todos os sentidos; ambiental, saúde, social, político, ético, direitos humanos, portanto uma prática totalmente antagônica ao conceito de economia social de agricultura sustentável.

Desenvolvendo ecossistemas sustentáveis
O compromisso de uma agricultura sustentável é abastecimento e amparo socioeconômico do agricultor, preocupado com estado psicológico e emocional do cidadão, manutenção da biodiversidade, garantindo a qualidade ambiental, a qualidade de vida, ante aos recursos naturais, juntamente aos valores éticos e culturais de todo os setores sociais. Os requisitos para obter esse desenvolvimento rural sustentável passa pela qualificação da sociedade, instrução e capacitação do agricultor e sua distribuição no campo. Os agricultores têm o direito de serem informados, são necessárias políticas públicas para o desenvolvimento rural sustentável, não apenas da parte do governo, mas sim de todos os poderes da sociedade (por exemplo, Câmara dos Vereadores) para se envolver, participar e elaborar ações que devem assumir o compromisso sustentável de abastecimento, conjuntamente com uma legislação ambiental funcional.

A agricultura empresarial
Em contra ponto, a agricultura empresarial não surgiu para a produção de alimentos. Ela veio atender o mercado global, os mercados de commodities, produzindo matéria prima de exportação para as indústrias multinacionais. Produz agroenergia, agrocombustíveis, erroneamente chamado de biocombustíveis ou biodiesel, o correto é dizer agrodiesel, agrocombustíveis. A agricultura empresarial se baseou em ciências extremamente sofisticadas como engenharia mecânica, engenharia química com a síntese de moléculas, economia agrícola de alto nível, biologia genética, houve um investimento científico muito forte. O prof. Dr. Mohamed Habib expôs que agricultura empresarial é totalmente dependente de agrotóxicos e antibióticos e “não falam das consequências geradas na natureza pelo uso desses produtos”. Ele afirmou, “Este modelo de agricultura dizem que esta sustentando o Brasil. É o agronegócio brasileiro, exportando grão sem agregação de valor nessa matéria prima. Não conheço nenhum país desenvolvido que exporta matéria prima, água e energia. O Brasil exporta os 3. Compare com as exportações da China, veja se exportam matéria prima, energia ou água”. Mohamed continua “estive nos Estados Unidos, eles estão proibindo o plantio de qualquer cultura para produzir etanol. Perguntei por que isso acontece e a resposta foi de que estavam comprando etanol a cinqüenta centavos por litro e quem produzia ficavam com os litros de vinhoto e poluentes gerados na produção”.

Estudo que teve sua colaboração sobre pesquisas de modificações genéticas em animais e plantas


Tecnologia incompetente
Para afirmar suas colocações, de que estamos na contra mão de desenvolvimento sustentável, o professor abordou 3 realidades vividas e comprovadas cientificamente.
O Brasil de 4 anos para cá, é o maior consumidor de venenos do planeta. A cota de consumo de agrotóxicos está acima de 5 kg para cada brasileiro. Seis empresas multinacionais controlam 80% da produção desses venenos. Mohamed fala: “a aplicação desses venenos é uma tecnologia extremamente incompetente, apenas 0,1% atinge a praga alvo. Ninguém fala para onde vão 99,9% do veneno. As conseqüências são visíveis; aumento a resistência aos agrotóxicos, surgimento de novas pragas, efeitos sobre o metabolismo das plantas, impactos sobre a biota não alvo e efeito na saúde humana e animal”, exemplificou.

Seleção e melhoramento
O perfil da agricultura empresarial esta sendo cultivar grandes áreas, sendo excludente socialmente e tratar o solo como um substrato, tentando tirar dele o máximo de produtividade, trabalhando com variedades precoces tanto vegetais quanto animais. “Trabalhei intensamente com pesquisadores do mundo todo e publicamos artigos científicos explicando a ausência total do princípio de agricultura sustentável na produção de transgênicos. Outro trabalho acadêmico mostra o impacto do Roundup, da soja e do algodão transgênicos no desenvolvimento embrionário de humanos e de espécies vegetais. Além de um estudo publicado em 2012 mostrando a desgraça dos efeitos dos alimentos transgênicos em comunidades humanas. Temos que evitar esse tipo de alimento e orientar as pessoas para não consumi-los. Porque será que nas embalagens aparece um triangulo com um T maiúsculo bem pequenininho? Quem conhece os malefícios desses produtos precisa atuar nos momentos em que estamos em contato com a sociedade e explicar o significado das coisas, que os empresários omitem” incentivou o pesquisador.


A natureza é “burra”
Mohamed citou dois cientistas americanos (Hugh Lovel e Stefan Mager: GM Food) que relembram a fala do famoso estadista Henry Kissinger, em 1970, que diz: “quem controla as fontes de alimentos domina as pessoas”. E o estudo ainda afirma que o caminho para isso é a biotecnologia, a engenharia genética e o patenteamento das sementes. O professor alerta; “aqui todas as sementes transgênicas são patenteadas pelas multinacionais. Estamos falando de uma dominação oculta, não são mais exércitos que entram, é a economia, o endividamento, o controle do mercado”.
Mohamed explica: “Selecionam os indivíduos que interessam através de um processo difundido nas universidades chamado seleção e melhoramento. Porque a natureza é burra. As criaturas da natureza são ruins, então o homem veio com a genética para melhorar. Eu chamo sempre nas minha aulas de seleção e “pioramento”. Porque criamos criaturas doentes, malucas que não tem como enfrentar as adversidades ambientais e pra isso temos que cuidar deles com insumos e agrotóxicos produzidos pelas indústrias”.
O aparecimento da gripe aviária que está matando os frangos de granjas, é porque não têm defesas imunológicas, são espécies selecionadas para desenvolvimento acelerado, de alta produtividade diferente de aves caipiras de pequenas criações que levam 6 meses para chegar ao tamanho de abate, enquanto as aves de granjas apenas 38 dias. "Sucesso? Progresso? Foi melhorado porque a galinha caipira é ruim?"

Mohamed Habib é engenheiro agrônomo formado pela Universidade de Alexandria no Egito, onde também fez mestrado em 1968. Está no Brasil desde 1972, como professor e pesquisador universitário ligado ao Instituto de Biologia da UNICAMP. Publicou mais de 200 trabalhos científicos, escrevendo livros e capítulos de livros, além de apostilas didáticas na sua área de especialização; Entomologia, Ecologia Aplicada, Controle Biológico e Microbiano. Atualmente é pró-reitor de extensão e assuntos comunitários da UNICAMP.


Agrocombustíveis
Ao abordar o exemplo da produção de agrocombustíveis e o consumo de energia, Mohamed questionou que os países desenvolvidos trabalham com previsões da indústria automobilística em manter o automóvel e não em soluções de um transporte ecologicamente correto. “As estimativas dessa indústria é produzir 49% dos combustíveis na América do Sul e 35% na África, somos os quintais para ficar com a sujeira dessa produção e nível trabalho degradante. Ainda querem nos convencer de que é uma tecnologia limpa, econômica e eficiente, não falam que impactam o ambiente (queimadas), a saúde (trabalho no campo pesado e repetitivo), e a sociedade (emigrando trabalhadores de outros estados)”, disse.
A área está aumentando cada vez mais para o plantio, no ambiente natural da floresta amazônica, dos canaviais e no cerrado e cerradão para a soja. “A produção de etanol é 1 litro por metro quadrado, se um carro a álcool consome 200 litros por mês em um ano será necessário uma área de 2400 m² para plantio de cana-de-açúcar. Para produzir 1 litro de álcool são necessários de 600 a 1400 litros de água, entre lavoura e usina e dependendo da região. O governo ou os usineiros falam isso? É ecologicamente correto e sustentável? Porque é possível aceitar essa lógica?”, provoca o professor.

Mohamed finaliza dizendo, “hoje, percebemos que o mundo se salva ou iremos todos para o buraco. E para salvar o mundo precisamos de novas ciências que integram áreas de conhecimento no mesmo prato, para que possamos entender o que os efeitos colaterais de uma área da ciência podem causar na outra. Essa visão de profundo conhecimento é fundamental pra salvar o nosso planeta”.

Capa da edição 137 do Jornal Pires Rural


[Matéria publicada originalmente na edição 137 do Jornal Pires Rural, 05/09/2013 - www.dospires.com.br]






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